Elétricas ampliam a oferta de novos serviços para ir além da commodity
Gestão de tarifas, eficiência energética, descarbonização e geração distribuída marcam a transformação do setor de energia e a relação com os clientes
Com a ampliação do mercado livre de energia e a possibilidade de os consumidores escolherem seus fornecedores, as empresas perceberam que precisavam ir além da simples oferta de energia para se diferenciar em um cenário que se tornou muito competitivo. Tradicionais grupos do setor e novas companhias passaram a disputar, com serviços personalizados,
um universo estimado em 90 milhões de consumidores.
Elétricas têm se associado a operadoras de telefonia, bancos, distribuidoras de gás, entre outros segmentos com forte penetração entre consumidores, para ofertar planos que vão de gestão de tarifas, compra de energia renovável e projetos de eficiência energética.
Esse movimento se baseia no conceito de energia como serviço (“energy as a service”, na tradução para o inglês). Nesse modelo, os clientes pagam por um serviço sem precisar realizar os investimentos, por exemplo, em infraestrutura ou equipamentos, gestão de outras “utilities”, eletrificação de frotas e otimização energética.
A Auren foi recentemente citada no noticiário pela compra da AES Brasil, porém a empresa vem se firmando como um dos principais “players” de comercialização. O vice-presidente financeiro e de relações com investidores, Mario Bertoncini, diz que de 2022 até agora foram quatro aquisições (Way2, Aquarela, Flora e Esfera), além de uma joint venture com a Vivo. A ideia é montar um grupo de empresas voltadas aos clientes.
O grupo Capitale criou a Neria para atender quem está migrando para o mercado livre. A nova companhia vai atuar no mercado varejista de energia. Já a francesa Engie planeja, no ciclo 2022-2027, aportar R$ 1 bilhão em programas de soluções em energia para a descarbonização de empresas e cidades.
O mais recente anúncio foi a parceria da Comerc com o MetroRio para substituição de 57 mil pontos de iluminação por LED. O metrô prevê economia mensal em torno de R$ 180 mil e a Comerc captura parte da redução. O diretor de eficiência energética da Comerc, Marcel Haratz, diz que a empresa tem 78 projetos no país.
“Já temos mais de R$ 330 milhões investidos em projetos de eficiência energética em iluminação, caldeira elétrica, motores, refrigeração, ar comprimido, subestações e uma série de aplicações para indústria e comércio”, afirma.
A francesa GreenYellow anunciou investimento de R$ 400 milhões ao longo de 2024 para projetos de geração solar renovável e soluções energéticas no Brasil. O presidente da empresa, Marcelo Xavier, conta que oferece aos parceiros eficiência energética, compra de energia no mercado livre e instalação de painéis solares com sistemas de armazenamento.
Como a expansão do setor elétrico brasileiro ocorre via ambiente livre de contratação e predominantemente por fontes renováveis, os consumidores têm ainda o apelo ESG. “Nesse processo, as empresas buscam a descarbonização e as metas de Net Zero. Não basta mais comprarem créditos de carbono para compensar as emissões, elas precisam mostrar que tomam medidas para mitigar este impacto.”
O CEO da Lead Energy, Raphael Ruffato, explica que o setor elétrico é muito complexo e o consumidor novo chega demandando serviços personalizados. A empresa aportou R$ 1 milhão em uma plataforma focada na implantação e gestão da conta de energia de consumidores do mercado livre.
“Temos mais de R$ 330 milhões em projetos de eficiência para indústria e comércio”
— Marcel Haratz
Hoje o mercado livre é permitido para os consumidores de alta tensão (grupo A), cerca de 202 mil unidades consumidoras. A Abraceel, associação que representa as comercializadoras de energia, estima que quando o ambiente de contratação livre estiver totalmente acessível o potencial de mercado será capaz de girar R$ 400 bilhões por ano.
Enquanto isso, os consumidores de baixa tensão, em boa medida clientes residenciais, apostam na geração distribuída. A Huawei Digital Power, braço de energia do conglomerado chinês Huawei, se uniu à startup Revo para ofertar serviços para clientes com conta de luz a partir de R$ 400. Rômulo Horta, diretor de desenvolvimento de negócios da empresa,
explica que o setor de geração distribuída é um mercado ainda sustentado por financiamento de bancos e dependente do preço dos equipamentos.
Nesta nova modalidade de serviços, o cliente não paga pela instalação dos painéis feita pela Revo, que assume o risco da operação; a Huawei ganha com a venda dos equipamentos. “Temos já investido cerca de R$
200 milhões em equipamentos e a meta é alcançar 15 mil clientes. O financiamento é feito por fundos parceiros e ao fim do contrato, o cliente fica com as instalações”, explica.
Neste contexto de abertura do mercado livre e crescimento da geração distribuída, as distribuidoras de energia têm visto seus mercados serem corroídos. Por conta disso, concessionárias como Enel, Energisa, Copel e Cemig também criaram braços no mercado livre ou no segmento de geração distribuída para manter os clientes.
Essa migração tem deixado
custos às distribuidoras sobre contratadas que acabam sendo divididos por um número menor de clientes que permanecem nas companhias (o chamado mercado regulado). Por conta disso, uma das discussões do setor tem sido de que todos os clientes passem a dividir o custo do sistema.