Eficiência energética: a influência humana nos resultados esperados
Já soube de empresas que realizaram projetos de eficiência energética e não tiveram o ganho esperado? Ou pretende implementar, mas tem receio de ser um investimento jogado fora? Um dos principais fatores que não é levado em consideração por muitas empresas sobre os projetos de eficiência energética é o componente humano.
Por Gabriela Mouriño
O consumo de energia mundial deve aumentar em 48%, considerando o período entre 2012 e 2040, segundo projeções feitas pela Energy Information Administration (EIA). Este aumento é esperado em função da urbanização, do crescimento populacional e do desenvolvimento de novas tecnologias. Em paralelo, vemos uma maior frequência nas discussões sobre alterações climáticas e emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Diante deste cenário, a eficiência energética se estabelece como uma alternativa que permite a otimização do consumo de energia, reduzindo emissões de GEE e aumentando a segurança do suprimento do recurso. Entre suas vantagens, destacam-se a automação de sistemas e a instalação de equipamentos de alta eficiência. Apesar da adesão crescente a tecnologias como essa, o impacto causado pelas pessoas que ocupam um espaço coletivo, como um edifício, é muitas vezes desconsiderado ou subestimado. O fato é que, mesmo com suporte tecnológico, as falhas geradas pelo componente humano podem comprometer todo o investimento realizado em um projeto.
Então, qual será o impacto do comportamento humano no consumo de energia em um edifício?
Responder a esta pergunta foi justamente um dos objetivos da minha tese de mestrado. A resposta esperada era compreender um pouco melhor como os comportamentos interferem nos projetos de Eficiência Energética implantados, mantendo ou não os ganhos esperados do projeto. Para isso, utilizei um software chamado DesignBuilder, especializado em simulações energética para edifícios. Nele é possível incluir variáveis para simular diferentes cenários de consumo de energia, sendo amplamente utilizado para otimização do consumo e redução do impacto ambiental. No estudo, foram feitas 48 simulações dinâmicas para tentar responder essa pergunta.
Para as simulações, além de diferentes perfis de pessoas, foram avaliados também outros quatro fatores que potencialmente impactam o comportamento humano, sendo eles: a diferença de clima em função da localização do edifício; a área construída; a solução construtiva e a eficiência energética dos equipamentos instalados. Para outras variáveis como taxa ocupacional, taxa de renovação de ar e nível de iluminância, foram definidos padrões para todas simulações.
O consumo de energia decorrente do comportamento das pessoas foi determinado pelas interações entre elas e 3 itens: os equipamentos – como computadores e outros aparelhos conectados na tomada –, sistemas de iluminação e ar condicionado. Dentro desse contexto, identifiquei três perfis de usuários de edifícios:
- O ocupante referência: tem como base o que foi estabelecido no Decreto-Lei nº 79/2006 que regulamenta os sistema energéticos de climatização de edifícios;
- O ocupante eficiente: aquele que possui comportamentos extremos que levam às economias energéticas;
- O ocupante ineficiente: aquele que gera um elevado desperdício de energia.
Cada perfil de usuário interage de uma forma diferente com os sistemas instalados no edifício, considerando desde o tempo de funcionamento dos equipamentos (liga/desliga) até as suas configurações operacionais, por isso foram necessárias 48 simulações. O impacto causado por esses comportamentos foi analisado e comparado de acordo com os quatro fatores mencionados anteriormente – diferença de clima em virtude da localização do edifício; área construída; solução construtiva e eficiência energética dos equipamentos instalados.
Os resultados da simulação dinâmica possibilitaram calcular o consumo de energia previsto dos perfis de usuários para a iluminação, ar condicionado, equipamentos, bem como o consumo total. Com isso, foi possível analisar o impacto causado pelos perfis no consumo.
Abaixo listo os pontos mais relevantes levantados que evidenciam as consequências do comportamento humano no consumo de energia:
- Em todos cenários simulados, o ocupante eficiente reduziu o consumo de energia, enquanto o ocupante ineficiente aumentou a demanda de energia;
- O potencial de redução do consumo variou em função dos quatro fatores já citados, porém esse impacto citado no item 1 dos ocupantes se manteve em todos os casos;
- A iluminação é o sistema com maior potencial de ganho, podendo chegar a 65%;
- Comportamentos eficientes têm maior impacto nos sistemas de iluminação, enquanto os ineficientes têm maior impacto nos equipamentos;
- Comportamentos eficientes foram capazes de reduzir o consumo em mais de 32%, quando comparados aos dos ocupantes referência. Os ineficientes aumentaram o consumo dos ocupantes referência em 59%.;
- Em todos os casos, o potencial de desperdício de energia dos ocupantes ineficientes foi maior do que potencial de economia que poderia ser gerado. Ou seja, é muito mais fácil desperdiçar energia do que economizar. A categoria de equipamentos representa a maior parte do consumo de energia, sendo a mais impactada pelo ocupante ineficiente podendo aumentar em 78% seu consumo.
Com essas descobertas, podemos concluir, então, que as tecnologias desenvolvidas para a redução do consumo energético são de extrema importância, porém, a conscientização dos usuários sobre esses recursos tecnológicos é essencial para alcançar os ganhos esperados. Ou seja, se as empresas investirem em uma boa educação sobre o uso dos recursos, um ocupante ineficiente pode se tornar um ocupante eficiente, auxiliando na economia de energia. O sucesso dos projetos de eficiência está em manter o ganho atingido num primeiro momento durante um longo período, por isso a relevância dessa reflexão.
Neste sentido, o serviço de monitoramento contínuo do consumo de energia é um aliado indispensável para garantir o sucesso do investimento, pois garante a economia prevista no início do projeto ao supervisionar as interações entre os equipamentos e usuários finais, aplicando ações corretivas nos desvios.
Concluindo, eficiência energética traz inúmeros ganhos, porém deve ser atrelado a uma mudança na organização, trazendo aos usuários finais do sistema maior consciência sobre seu impacto no consumo.